Jerzy Grotowski
TEXTO PÓSTUMO SEM TÍTULO
Publicado na REVISTA MÁSCARA – MEXICO – 1999

É possível que o fim de minha vida esteja próximo. Desejo em primeiro lugar retificar uma informação que leva a falsa impressão da obra do Workcenter of Jerzy Grotowski and Thomas Richards.
Ação: a última montagem de Grotowski.” Esta afirmação contém três deformações da verdade.

Minha última montagem como diretor de teatro se intitula Apocalypsis cum figuris. Se deu em 1969 e suas apresentações finalizaram em 1980. Desde então não tenho realizado nenhuma montagem.
“Ação” não é uma montagem. Não pertence ao domínio da arte como representação. É uma obra criada no campo da arte como veículo. Se concebe para estruturar, em um trabalho unido a arte do espetáculo, o trabalho no ser mesmo do fazedor.

As testemunhas, observadores de fora, podem ou não estar presentes. Depende de diversas condições e circunstâncias que demandam essa aproximação.

Quando falo da Arte como veículo, me refiro a verticalidade. Verticalidade: Podemos observar esse fenômeno em categorias de energia: as mais densas, porém orgânicas (ligadas as forças da vida, aos instintos, a sensualidade) e outras mais sutis. A questão da verticalidade significa passar do chamado “nível áspero”, em um certo sentido eu poderia chama-lo de “nível cotidiano” até a energia mais sutil ou a “conexão superior” Eu só indico a direção, uma trilha. Mais adiante existe também outro caminho: se alguém se aproxima da conexão superior, quer dizer, falando em termos de energia, se alguém se eleva ao muito mais sutil, então encontra a questão de descer; enquanto, ao mesmo tempo, essa coisa sutil é trazida para a mais comum das realidades que se encontra ligada a densidade do corpo. Thomas Richards analisou sua percepção, sua experiência individual desse tipo de processo e o caracterizou como ação interna.

Com a verticalidade o ponto é não renunciar a parte de nossa natureza, tudo deve reter seu lugar natural: o corpo, o coração, a cabeça, algo que se encontra “sob nossos pés” e algo que está “acima da cabeça”. Tudo como uma linha vertical, e essa verticalidade deve manter-se entre o orgânico e o consciente. Consciência significa conhecimento, o que não está ligado a linguagem (a máquina de falar) mas a presença.

Assim repito: Ação não é uma performance. É uma obra criada em sua totalidade e dirigida Thomas Richards na qual ele continua trabalhando desde 1994.

Pode-se dizer que Ação tem sido uma colaboração entre Richard e eu? Sim, no sentido de uma criação a quatro mãos. Somente no sentido da natureza do meu trabalho com Thomas Richards desde 1985 o qual tem o caráter de transmissão como se entende na tradição. Transmito aquilo a que cheguei na minha vida: O aspecto interno da obra.

Se repito essas declarações é para fazer “tábua rasa” antes de aproximar-me aos temas que me habitam a muito tempo.

O que pode uma pessoa transmitir? Como e a quem transmitir? Essas são perguntas que se faz uma pessoa que herdou uma tradição, já que ela herda ao mesmo tempo uma espécie de dever; transmitir o que recebeu.

Que parte tem a investigação em uma tradição? Até que ponto deve uma tradição do trabalho do ser sobre si mesmo, ou para falar por analogia; do Yoga ou de uma vida interna ser ao mesmo tempo uma investigação? Como cada geração dará um passo adiante?

Um ramo do Budismo tibetano diz que uma tradição sobrevive se cada nova geração avançar uma quinta parte com relação a anterior, sem esquecer ou destruir seus descobrimentos.

Eu sei que no domínio artístico, no sentido estrito só podemos dizer que existe uma evolução e não um desenvolvimento. A obra de Beckett, porque vem depois no tempo, não é mais desenvolvida que a obra de Shakespere.

No entanto aqui me refiro a um domínio que é artístico, mas não exclusivamente artístico. Na área da Arte como veículo, se tomo em conta o trabalho de Thomas Richards em Ação, nos antigos cantos vibratórios e em todo esse vasto terreno ligado a tradição que ocupa minhas investigações, observo que a nova geração avançou em relação a anterior.

Jerzy Grotowski, 4 de julho de 1998

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